sábado, 21 de abril de 2012

2012 Português-Literatura e Artes _ Provérbios


A educação tem raízes amargas, mas os seus frutos são doces.Aristóteles
Definição dos Provérbios
s.m. Máxima expressa em poucas palavras e que se tornou popular; rifão, anexim, adágio.—O rifão tem estilo vulgar, às vezes com termos baixos; o anexim, sentencioso, contém ironia ou chiste. O adágio, o rifão e o anexim são chamados pelo povo de ditados. Todas as línguas têm seus provérbios. Com frequência os mesmos provérbios com formas diferentes ocorrem entre muitos povos e cm épocas diferentes. Às vezes, provérbios semelhantes têm a mesma origem. Em outros casos não têm provavelmente nenhuma conexão. A Bíblia contém um livro inteiro de provérbios. Estes provérbios são até hoje de uso comum, especialmente em países de maioria protestante.

    O provérbio é um pensamento, traduzido em uma sentença, muitas vezes expressado como uma advertência, ou até como uma norma que ‘deve’ ser cumprida. Muitos provérbios, entretanto, destacam-se mais pela originalidade de sua forma ou para a maneira como foram construídos, do que para a ideia em si, que encerram.

    O objetivo de um provérbio é transmitir-nos uma verdade, fruto da observação e da experiência, de forma concisa. Em poucas palavras, condensa um pensamento, conselho ou orientação prática, registrando uma significativa quantidade de conhecimento. Talvez por isso, somos todos capazes de citar, de pronto, uma dúzia de provérbios. Sendo sintéticos, os provérbios têm uma espantosa capacidade de migrar de um texto para outro, de uma história para outra, de uma civilização para outra, de uma época para outra época, sem perder sua atualidade e utilidade.
    Seja pela boca do povo, seja pela escrita dos mais eruditos, a grande adaptabilidade a variadas situações, garante a sobrevivência dos provérbios através dos tempos. A maioria dos provérbios mais antigos permanece bem moderna em sua essência, eventualmente apenas carecendo de certa modernização na estrutura ou no vocabulário de que se utilizam. Quase nunca somos capazes de identificar as fontes ou o contexto em que foram criadas. Apesar desta dificuldade de identificação de autoria, ou quem sabe, exatamente por seu caráter de autoria anônima, não deixamos de respeitar o conhecimento que nos trazem os provérbios.
    Sempre imaginamos dominar perfeitamente a aplicabilidade de um provérbio, mas em função de seu sentido não ter sido realmente entendido, muitas nós o aplicamos em situações inadequadas. A má fé, em outros casos, chega a distorcer completamente o sentido de um provérbio, tornando-o um instrumento de manipulação e até de propaganda ideológica.
     O lado positivo, entretanto, de longe o mais significativo, é que o provérbio contém sabedoria para todos e para todas as situações possíveis: para os momentos alegres e tristes, para os felizes e infelizes, para os momentos de angústia e desesperança, de orgulho e de vaidade, de humildade e fortaleza, enfim, para o bem e o mal da vida de cada um. Alguns são otimistas, outros são pessimistas, muitos, porém, ao expor um pensamento pessimista, completam-no com uma esperança. É precisamente esta motivação positiva, de esperança, que move o Projeto , cujo propósito é colaborar na preservação . Cultura acumulada durante milênios, conta de uma maneira especial a própria história da sabedoria humana.


A PERSUASÃO
Persuadir é a tentativa de levar o outro a aceitar determinada questão, assunto, conhecimento, aceitando-a como verdade. Segundo Fiorin (2004:52),
A finalidade última de todo ato de comunicação não é informar, mas persuadir o outro a aceitar o que está sendo comunicado. Por isso o ato de comunicação é um complexo jogo de manipulação com vistas a fazer o enunciatário crer naquilo que se transmite.
Os provérbios possuem importância no contexto social por serem eles mesmos, verdades absolutas de conhecimento universal e trazem ora explícita, ora implícita essa tentativa de persuasão. Os provérbios são invocados como tradição e autoridade, na qual o enunciador não possui voz, fazendo-se omitir diante da opinião geral, contrariando a posição superior e de responsabilidade que exerce junto ao destinatário. O falante não tem a voz, mas passa a autoridade - Característica da propriedade da generalidade, prevista por Ducrot.
Há provérbios que possuem um teor de verdade tão forte, que não há espaço para contestação. A sua argumentação é tão absoluta e precisa que o destinatário não oscilará em aceitar a mensagem, que será recebida sem refutação, devido ao seu caráter convincente.
Vejam-se alguns provérbios que possuem seu caráter inflexível:
(1) Contra a morte não há reza forte.
Por ser a morte, algo inevitável, esse raciocínio não admite ponderações.
(2) De grão em grão a galinha enche o papo.
A economia também é um meio de enriquecimento e, mesmo que seja de pouco em pouco, um dia se consegue o que quer.
(3) A verdade é como o azeite, sempre vem à tona.
A presença das palavras verdade e sempre transmite ao provérbio um caráter rígido e concludente, característica irretocável nos provérbios.
Pode-se observar que as palavras contidas nos provérbios, em sua maioria, possuem sentido conotativo e não-literal. São as chamadas figuras de retórica ou figuras de linguagem, característica importante nos provérbios para despertar interesse no destinatário.
Em alguns provérbios, percebem-se características de caráter variante, todavia, a idéia como é colocada pelo enunciador ratifica apenas uma idéia, mesmo havendo a impressão de mais de uma possibilidade. Esses são, principalmente, os provérbios com operadores argumentativos.
Vejam-se os exemplos:
(4) A língua não é de aço, mas fere.
Com a presença de figuras de linguagem, pode-se ter, no exemplo (4), a conclusão de que, por não ser de aço, a língua não causará estragos, contudo, o conectivo “mas” carrega na segunda oração a verdade imposta pelo enunciador, de que a língua “fere”. De acordo com o livro dos provérbios (Souza, 2001) “As feridas causadas por uma língua maledicente são difíceis de cicatrizar”.
Nos exemplos (5 e 6) abaixo, percebe-se um implícito na primeira asserção de base, o qual é refutado com a presença da contra-expectativa, representada pelo operador argumentativo “mas”.
(5) A justiça tarda, mas não falha.
(6) Deus dá farinha, mas não amassa o pão.
Em (5) há a possibilidade de que a justiça demora a acontecer, todavia, a verdade imposta é a de que ela sempre acontece. Em (6), a contra-expectativa mostra que cada um deve buscar o seu próprio sustento com as oportunidades recebidas. O operador “mas” transporta um argumento mais forte em contradição ao que fora mencionado anteriormente.
Há ainda, provérbios que figuram no caráter emocional e racional do destinatário. Nestes estão associados sentimentos, emoções, cautela, e possuem, também, caráter rígido, devido à imposição atribuída.
(7) Quem ama o perigo nele perecerá.
Essa máxima extraída da Bíblia (Eclesiástico, 3, 27) adverte aos que vivem com audácia, sem medo de correr riscos e, por isso, acabam por encontrar o mal. (Quem o mal procura o mal encontra). Os outros exemplos abaixo também remetem para razão e/ou emoção, mantendo implícito algum valor ou verdade.
(8) Vão-se os amores, ficam as dores.
(9) A paixão cega a razão.
(10) As aparências enganam. (Quem vê cara não vê coração).
A persuasão é presente na argumentação, porque é “o modo de convencer alguém sobre a verdade de certos fatos ou a necessidade de tomar certas atitudes” (Guimarães, 2005: 78).
A argumentação é vista como o dito que não foi dito no acontecimento, um implícito, que será levado à questão do topos.
Para Koch (2003: 64),
Ao usar-se um provérbio, produz-se uma “enunciação-eco” de um número ilimitado de enunciações anteriores do mesmo provérbio, cuja verdade é garantida pelo enunciador genérico, representante da opinião geral, da vox populi, do saber comum da coletividade.

A VOZ DO POVO: A QUESTÃO POLIFÔNICA
Polifonia pode ser entendida como o fenômeno pelo qual, num mesmo discurso, é possível reconhecer várias “vozes”. Esta idéia foi introduzida, nas ciências da linguagem, por Mikhail Bakhtin e desenvolvida ordenadamente por Oswald Ducrot.
O primeiro considera que “a língua é deduzida da necessidade do homem de auto-expressar-se, de objetivar-se. A essência da linguagem nessa ou naquela forma, por esse ou aquele caminho se reduz à criação espiritual do indivíduo” (Bakhtin, 2003: 270).
Para Bakhtin (Apud Koch, 2003: 64), “a palavra é o produto da relação recíproca entre falante e ouvinte, emissor e receptor. Cada palavra expressa o ‘um’ em relação com o outro. O Eu se constrói constituindo o Eu do Outro e por ele é constituído”.
Em ambos os autores, o termo polifonia constitui vozes do eu e do outro no processo do enunciado. Nos provérbios, essa polifonia ocorre de forma especial e menos visível, visto que se trata da ‘voz do povo’, nos quais não há originalidade no discurso.
Segundo Maingueneau (2004: 169), “o enunciador apresenta sua enunciação como uma retomada de inumeráveis enunciações anteriores, as de todos os locutores que já proferiram aquele provérbio”. O provérbio é, portanto, de natureza polifônica, já que seu enunciado fora produzido outrora por distintos enunciadores, conferindo à voz do povo, toda a obrigação e a responsabilidade por proferi-lo.
Ducrot (1987) inicia uma teoria que distingue “sujeito falante”, “locutor” e “enunciador” do enunciado. O sujeito falante se encaixaria no produtor físico do falar, possibilitando criar o enunciado através do processo físico-mental. O locutor seria o responsável pelo ato ilocutório[2], pela enunciação, aquele a quem se deve atribuir a responsabilidade das intenções do que é produzido.
Nos provérbios, o enunciador pode, em seu ato ilocutório, fazer relações de certos elementos lingüísticos às pessoas do discurso, inclusive, fazendo referências na situação comunicativa. O enunciador pode ser também, concomitantemente, o locutor e o sujeito falante.
A presença do pronome QUEM é marca comum nos provérbios, tendo em vista que estes são enunciados cabíveis de referência a qualquer pessoa, a impessoalidade do pronome marca diferentes vozes, conferindo-lhe a questão da polifonia. Atente para análise dos provérbios:
(11) “Quem não arrisca, não petisca”.
(12) “Quem não se comunica, se trumbica”.
(13) “Quem não tem cão, caça com gato”.
(14) “Quem nasceu para forca não morre afogado”.
(15) “Quem vê cara não vê coração”.
Em (11), (12), (13), (14) e (15), se o pronome estiver se referindo ao enunciador, com valor de ‘eu’, sendo o enunciador, também o enunciatário, o discurso é proferido na intenção de avisar, prevenir e até incutir valores pessoais. Já, se o pronome proferido representar o ‘tu’, outro que não seja, ao mesmo tempo enunciador e enunciatário, além de avisar, prevenir e incutir valores morais pode censurar e também ameaçar, caso seja utilizada uma entonação ríspida. Portanto, percebe-se que uma mesma enunciação pode trazer variadas vozes. A primeira avisa e previne, a segunda moraliza e a terceira voz censura e ameaça.

A negação proverbial
A polifonia vista por Ducrot, possui como exemplo de excelência, a negação. Logo, se há uma negativa, subentende-se que há, também, uma afirmativa. Há “vozes” do enunciador (E), que é, para Ducrot, o principal da polifonia, estabelecendo a perspectiva da enunciação. Essas “vozes” E1 e E2 possuem pensamentos com distintos pontos de vista.
Para marcar a negação proverbial, foram selecionados exemplos que apresentam operadores negativos como “não”, “nem”, “ninguém”, “nada”, a fim de se confirmar a hipótese de Ducrot de que “um enunciado traz, na sua significação, duas perspectivas opostas” (Guimarães, 2005: 60).
(16) Águas passadas não movem moinhos.
No exemplo acima, há vozes distintas, a primeira diria “água passada move moinho” e a outra que nega esta perspectiva, sendo esta última correspondente ao responsável pelo provérbio – o locutor (E2). Observa-se outro exemplo:
(17) Nem tudo que reluz é ouro, nem tudo que balança cai.
Tal provérbio pode ser comparado a outro: “As aparências enganam” e mesmo sendo sedutoras, são ilusórias na maioria das vezes. Há também, nesse provérbio, duas vozes distintas, a que afirma que aquilo que parece é; e a que nega essa afirmação. No exemplo (18) é natural a insatisfação do ser humano em relação ao que lhe fora reservado.
(18) Ninguém está bem com a vida que tem.
Há, no enunciado acima, uma perspectiva que diz “estar bem com a vida que tem” e outra oposta a esta como sendo a posição do locutor. Assim também é o próximo exemplo.
(19) Quem tudo quer, nada tem.
A primeira “voz” (E1) afirma: “Quem tudo quer” – tem tudo. No entanto a outra “voz” nega essa possibilidade – “nada tem”, opondo-se a opinião de E1.
Pode-se verificar, nos enunciados proverbiais negativos mencionados, a presença de uma terceira voz. Além das vozes do enunciador – lugar do qual se enuncia (E1) e do locutor – responsável pela negação (E2), há a voz do sujeito falante outrora citado como produtor físico.
Guimarães (2005: 61) afirma que
A importância da consideração dos enunciadores é crucial, pois são os enunciadores que marcarão a mobilização dos topoi na argumentação. A perspectiva enunciativa é que convoca um topos, e de tal modo que uma mesma forma pode convocar topoi diferentes, segundo as perspectivas constituídas na enunciação de um enunciado
A Semântica da Enunciação apresenta a negação como fator primordial para marcar a polissemia cuja diferença de significado será explicitada pela Semântica Discursiva e pela Pragmática.

A ARGUMENTAÇÃO ESTÁ NA LÍNGUA
Ducrot, precursor da semântica enunciativa, foi o responsável pelo estudo que trata da força argumentativa nos enunciados, denominando-as “operadores argumentativos”. Atribuiu-se aos argumentos um topos (lugar comum argumentativo) que possui três propriedades: a universalidade, a generalidade e a, considerada pelo autor a mais importante, gradualidade a qual implicará ao enunciado formas tópicas.
Nos exemplos (11, 12, 13, 14 e 15) citados no capítulo anterior estão presentes elementos que se sobressaem nos provérbios, relacionando um fato A que se dirige para uma conseqüência B, acompanhados do advérbio de negação que funciona como um operador argumentativo.
Em (11), há negação dupla: “Quem não A, não B”, em (12) e (13), tem-se a estrutura “Quem não A, B”, já em (14) e (15), a negação é inversa: “Quem A, não B”.
Sendo o provérbio uma fala cristalizada, uma verdade universal, a afirmação é fundamentalmente demonstrada na enunciação, podendo permitir um topos argumentativo.

O topos proverbial
Nos exemplos (20), (21), (22) e (23), abaixo relacionados, convivem vozes que representam um topos. Sendo estes, provérbios, já implicam a universalidade e a generalidadecaracterísticas próprias desse tipo de gênero. A primeira característica diz que o topos é universal, pois constitui que “uma comunidade lingüística admite partilhá-lo, uma comunidade à qual pertençam pelo menos aquele que realiza a demarche argumentativa e aquela a quem ela é proposta” (Ducrot, 1987: 24). É o conhecimento de mundo que levará os interlocutores a compartilhar os provérbios.
(20) Uma andorinha só não faz verão.
É apontada, neste exemplo, a importância da coletividade, da ação em grupo, mostrando que a ação isolada não consagra um costume.
(21) Em casa de ferreiro, o espeto é de pau.
Neste exemplo, a universalidade é atribuída, quando os interlocutores interpretam o topos como: as coisas faltam, onde deveria haver em demasia.
A segunda é a característica geral uma vez que “o princípio deve ser reputado válido, além da situação na qual é aplicado, para um grande número de situações análogas” (idem, p. 25).
(22) O que os olhos não vêem, o coração não sente.
(23) Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
(24) Cada um por si, e Deus por todos.
Nos exemplos (22, 23 e 24) acima, os enunciados podem ser produzidos em diversas situações equivalentes. Em (22) é de conhecimento geral que, quando alguém não possui consciência do que está ocorrendo, seja bom, seja ruim, não haverá sentimento. Em (23) qualquer escolha abarca o perigo e em (24) reconhece-se que Deus está ao lado de todos, mas cada um precisa fazer a sua parte.
A gradualidade é a característica “que relaciona duas escalas, duas gradações, entre as quais se estabelece uma correspondência” (idem, p. 26), obtendo-se, a partir da gradualidade a noção de formas tópicas distintas.
O caráter gradual dos enunciados apresenta-se através de escalas de forças graduais. Vejam-se os exemplos:
(25) Quem ama o feio, bonito lhe parece. (A beleza não está nos olhos, mas no coração)
Topos: Aquele que ama não vê a imperfeição. O amor só enxerga o belo.
As formas tópicas respectivas para esse provérbio seriam quanto maior o amor, menos importa a beleza; quanto menor amor, mais importa a beleza.
(26) Quem não tem competência, não se estabelece.
Topos: Aquele que não é competente, não cresce, não conquista louros.
No enunciado (26), as formas tópicas que comprovam o topos argumentativo são: quanto menos competência, menos se posiciona e se compromete e quanto mais competência maior é o posicionamento, o comprometimento.
(27) Quem planta vento colhe tempestade (Oséias, 8, 7).
Topos: Aquele que busca confusão, recebe problemas.
Neste, há uma advertência àqueles que deliberadamente prejudicam os outros. Quanto mais se prejudica alguém, “cultivando vento” (= tumulto, indecisão), mais será prejudicado, “colhendo tempestade” (= problema) e quanto menos prejudicar, menos será prejudicado. Esse provérbio pode ser ratificado com outro de igual intenção: “Cada um colhe conforme semeia”.
(28) Quem tem telhado de vidro, não joga pedra no vizinho.
(29) Quem tem rabo de palha não se sente junto ao fogo.
Topos: Aquele que possui defeitos, não deve se preocupar com os defeitos dos outros.
Em (28) e (29) as formas tópicas partem de uma repreensão aos que criticam os defeitos alheios sem olhar os próprios defeitos. Quanto mais defeitos alguém possui, menos se deve falar dos defeitos alheios. Quanto menos defeitos, mais se pode falar.
Não só esse tipo de estrutura confere ao provérbio a gradualidade do topos argumentativo. Há construções em provérbios com a presença do morfema “até”, acompanhados ou não de “mesmo” ou “que”, que funcionam como operadores que se orientam para o argumento mais forte, como nos exemplos abaixo:
(30) De graça até (mesmo) injeção na testa.
Topos: O que é de graça, ninguém rejeita.
O ditado popular acima relacionado mostra, particularmente, essa gradualidade, possuindo suas formas tópicas em quanto mais barato produto, melhor, mais as pessoas vão desejá-lo; quanto mais caro, menos as pessoas vão desejá-lo. Se for de graça, melhor ainda. Nesse caso aceita-se qualquer coisa, até mesmo “injeção na testa”. Não há contestação, pois o enunciador está recebendo sem ônus. Este ditado pode ser comprovado com outro provérbio no qual mais uma vez, por ser de graça, não se deve reclamar: “Cavalo dado não se olha os dentes”.
No próximo exemplo, o operador argumentativo “até” vem acompanhado do conectivo “que”, atribuindo-lhes a graduação desejada para marcar o topos.
(31) Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.
Topos: Com a persistência, alcança-se o desejo almejado.
Esse provérbio representa que, com insistência e tenacidade, conquista-se o êxito. Suas formas tópicas são representadas por “quanto maior a persistência, mais rápido se obtém o êxito; quanto menos insistência, menor é o êxito.”
O exemplo (32) apresenta o operador “até” desacompanhado de outros conectivos. Vem significando limite, entretanto possui também formas tópicas: “quanto menos se fala, melhor; quanto mais se fala, pior”.
(32) Bom é saber calar até o tempo de falar.
Topos: Deve-se ter certeza antes de falar.
Platão e Fiorin (1991: 281) também mencionam os conectivos “até”, “mesmo” e “até mesmo” como “elementos de coesão” que “servem para estabelecer gradação entre componentes de uma certa escala”, e ainda acrescentam que estes estão no topo da escala.
Além dos operadores “não” e “até”, existem outros que mantém nos provérbios uma relação de comparação, que deriva uma determinada conclusão. Estes são os que contêm o operador argumentativo “do que” e podem se apresentar em: Antes A do que B; É melhor A do que B; Mais A do que B; como se apresentam nos exemplos abaixo:
(33) Antes tarde do que nunca.
Topos: Não se devem perder as esperanças.
(34) Antes perder um amigo (do) que uma boa piada.
Topos: As pessoas piadistas não poupam nem os amigos.
(35) Antes só do que mal acompanhado.
Topos: É preferível estar sozinho a estar acompanhado de alguém desinteressante e problemático.
(36) Antes ser invejado (do) que lastimado.
Topos: O sucesso traz a inveja, o fracasso lástima, compaixão.
(37) É melhor prevenir (do) que remediar.
Topos: Ter cautela é melhor que pagar pelo erro.
(38) É mais fácil aconselhar que ajudar.
Topos: As pessoas querem ajuda, não conselhos.
(39) É melhor uma má acomodação (do) que uma boa questão.
(40) Mais vale um mau acordo que uma boa sentença.
Topos (39 e 40): O acordo é sempre mais vantagem que o litigioso.
(41) Mais vale um pássaro na mão do que dois voando.
Topos: Não se deve desprezar o pouco que se tem, pela esperança de conseguir mais.
(42) Mais vale amigo na praça que dinheiro na caixa.
Topos: Verdadeiras amizades superam riqueza.
Pode-se obter a gradualidade dos provérbios acima citados. Vejamos dois exemplos atribuindo-lhes formas tópicas.
No enunciado do exemplo (35), quanto mais desagradável é a companhia, menos as pessoas querem ficar perto; quanto mais agradável é a companhia, mais as pessoas querem ficar perto. No (37) quanto mais cuidado, menos problemas; quanto menos cuidado, mais problemas.
A partir dos exemplos acima, observa-se que o valor atribuído a “A” é positivo em relação a “B”, isso ocorre devido à construção da segunda parte dos provérbios com a presença do operador comparativo “do que”.
Toda argumentação deve assentar-se na coerência interna dos argumentos, deste modo o exemplo (43) é um importante modelo de autoridade para quem já não possui mais argumentos.
(43) Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.
Esse exemplo possui um operador argumentativo que contrapõe os argumentos, consistindo-se na perspectiva do enunciador generalizado E1, representando um topos que direcionará E1 e E2 para conclusões contrárias. O argumento “A” leva a uma conclusão r, mas o argumento “B” é mais forte, levando a uma conclusão não-r.
Em “A”: Faça o que eu digo, tem-se a hipótese da conclusão r: Faça o que eu faço. Entretanto em “B”, com a presença do conectivo, o argumento é decisivo e mais forte em favor de não-r. Outro exemplo pode comprovar a hipótese acima:
(44) Falem mal, mas falem de mim.
Segundo Mira Mateus et alii (2003:566), o mas é a conjunção mais representativa da contra-expectativa “As conjunções adversativas ou contrajuntivas exprimem prototipicamente um contraste entre os membros coordenados” Na primeira asserção, se alguém vai falar mal, espera-se que não fale de quem está enunciando, todavia esta hipótese é contestada em prol da outra parte do provérbio, a qual possui uma contra-expectativa.
Pôde-se perceber a partir dos exemplos proverbiais citados, que se há como inferir diversas escalas graduais, para justificar o topos. Há escalas representativas de “quanto mais, mais”; “quanto menos, menos”; “quanto mais, menos”; “quanto menos, mais” e diversas variações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como foi visto ao longo deste estudo, a linguagem proverbial é vista como interação social do meio ao qual estamos inseridos, possuindo gratuitamente o caráter persuasivo.
Variadas estratégias são utilizadas como argumentos persuasivos, e muitas delas mesmo sendo indispensáveis para alcançar o resultado esperado pelo enunciador, não são percebidas pelos interlocutores. Ademais, os provérbios e ditos populares em geral não se referem apenas ao folclore de um povo, eles também denunciam o preconceito lingüístico, pois se mantêm vivos cada vez que são utilizados num determinado contexto, atualizando-se.
A partir da polifonia proverbial podem-se verificar as várias vozes que argumentam, inferindo aos provérbios e/ou ditos populares a força persuasiva, principalmente com a asserção negativa em que as vozes atribuem opiniões opostas, atribuindo-lhes um topos.
Ducrot (1989) revela que o problema apresentado na Teoria da Argumentação é que “as possibilidades de argumentação não dependem somente de enunciados tomados por argumentos e conclusões, mas também dos princípios dos quais se serve para colocá-los em relação”. (Ducrot, 1989: 21)
Tais princípios mencionados por Ducrot (1989) referem-se ao senso comum, a crenças compreendidas numa mesma sociedade. Desse modo, o caminho percorrido da argumentação à conclusão é feito, como se intencionou mostrar, através do topos.


PROVÉRBIO ILUSTRADO
BEIJOCAS
SAS




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